domingo, 1 de julho de 2012

O papel da Comunicação na humanização da atenção à saúde

Centro Territorial de Educação Profissional de Irecê Disciplina: Português Instrumental Prof ª Carla Veiga Curso Técnico em Enfermagem O PAPEL DA COMUNICAÇÃO NA HUMANIZAÇÃO DA ATENÇÃO À SAÚDE Maria Júlia Paes da Silva Professora livre-docente do Departamento de Enfermagem Médico-Cirúrgica da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo "Amar a humanidade é fácil. Difícil é amar o próximo." (Henry Ford INTRODUÇÃO A origem da palavra comunicar está no latim comunicare, que tem por significado por em comum. Ela pressupõe o entendimento das partes envolvidas, e nós sabemos que não existe entendimento se não houver, anteriormente, a compreensão (1) . E o que os nossos clientes de hospital, ou seja, os nossos pacientes, compreendem do trabalho de um profissional da saúde? Chamou-me a atenção, desde o começo de minha carreira profissional, que os pacientes, quando deles inicialmente nos aproximamos, não olham para as nossas mãos, mas sim para o nosso rosto, por mais amedrontador que seja o cateter ou a agulha que estejamos segurando. A pergunta é: por que olham para o nosso rosto? O que buscam? Que compreensão têm do nosso trabalho? . Para tanto, basta lembrarmos do que o leigo fala quando vai a um consultório médico, para dizer que determinado profissional é um bom profissional. Ele diz que o médico é bom porque apertou suas mãos, deu-lhe um "tapinha" no ombro, deixou que falasse sobre suas necessidades, seus medos, suas dores, não interrompeu a sua fala e, mais do que isso, foi capaz inclusive de tocá-lo afetivamente e de cumprimentá-lo na despedida. Só após ter percebido isso aprendi que a compreensão que os pacientes precisam ter do profissional da área da saúde passa, principalmente, pela compreensão de que quando nos comunicamos com as pessoas não temos apenas o compromisso de passar um conteúdo, uma informação, pois toda comunicação envolve um sentimento, ou seja, o que é que sentimos quando ficamos diante do outro; o que é que sentimos quando ficamos diante daquela pessoa e diante da informação que temos a transmitir; o quanto concordamos com Natagori, quando ele diz: "Abandonarei todas as honras, menos a de te servir." Princípios e funções da comunicação Comunicar com qualidade passa pela compreensão do que queremos trocar com as pessoas, o que queremos colocar em comum, qual a nossa capacidade de estar trocando com o outro, qual o nível de troca que somos capazes de fazer com alguém que está precisando de ajuda, da disponibilidade e do conhecimento de alguém que se dispõe a ser um profissional de saúde (2). Toda comunicação, portanto, tem duas partes: a primeira é o conteúdo, o fato, a informação que queremos transmitir; a segunda, o que estamos sentindo quando nos comunicamos com a pessoa. O conteúdo da nossa comunicação está intimamente ligado ao nosso referencial de cultura, e o profissional de saúde tem uma cultura própria, diferente do leigo, por isso é importante saber que quanto mais informações possuirmos sobre aquela pessoa e quanto maior a nossa habilidade em correlacionar esse saber do outro com o nosso, melhor será o nosso desempenho no aspecto da informação e do conteúdo (1). A comunicação pressupõe a informação e o domínio sobre o que queremos comunicar, a nossa intenção, emoção e o que pretendemos quando nos aproximamos do nosso cliente ou do nosso paciente. O interessante é que nem sempre o profissional da área de saúde tem a consciência de que, ao falarmos em comunicação, não falamos apenas das palavras expressas para a outra pessoa - que podem ser dimensionadas como comunicação verbal. Acontece que toda comunicação humana, face-a-face, interpessoal, também se faz através da comunicação não-verbal, ou seja, de todas as formas de comunicação que não envolvem diretamente as palavras. Até podemos afirmar que quando falamos de relacionamento interpessoal a comunicação verbal, sozinha, não existe, pois além dela existe a maneira como falamos - que podemos chamar de paraverbal: os silêncios e grunhidos que utilizamos ao falar, as pausas que fazemos entre as frases e palavras, a ênfase que colocamos na voz. Além do paraverbal, temos as expressões faciais, as nossas posturas corporais diante do outro, a maneira como o tocamos, as distâncias interpessoais que mantemos com essa outra pessoa (1). Para podermos afirmar que a comunicação está ocorrendo de maneira efetiva, temos que ser coerentes nas nossas palavras e em toda nossa comunicação não-verbal, até porque essa comunicação (não-verbal) tem quatro finalidades: a primeira é justamente complementar a comunicação verbal. É quando dizemos "bom dia" sorrindo para o outro e olhando nos seus olhos; a segunda, é contradizer o verbal. É quando dizemos, por exemplo, "muito prazer" e apertamos a mão do outro como se fosse um "peixe morto" ou com medo ou nojo de tocar; a terceira, é substituir o verbal. É quando utilizamos, por exemplo, o meneio positivo da cabeça, olhando para a outra pessoa e dizendo não-verbalmente "estou te ouvindo", "estou atenta a você". A quarta função ou finalidade do não-verbal, mas não menos importante, é a demonstração dos nossos sentimentos. Geralmente, não temos consciência nem controle voluntário de toda essa sinalização não-verbal. Por exemplo, numa interação, quando estamos gostando do que está acontecendo, a nossa pupila se dilata involuntária e inconscientemente. Claro que estou me referindo a situações onde não existe alteração de luminosidade, nem alteração química, porém é fato comprovado que quando a interação é prazerosa para a pessoa a sua pupila se dilata. Podemos afirmar, por dados como esse, que na contradição, na dúvida entre a mensagem verbal e a não-verbal, as pessoas confiam nessa linguagem silenciosa, que fala da essência do ser humano, do que estamos sentindo (3). Raríssimas vezes falamos tudo o que pensamos e ou sentimos, mas para um bom entendedor somos sempre capazes de demonstrar o que estamos sentindo, porque muita dessa sinalização não-verbal não é necessariamente consciente e também não tem controle voluntário. Quem tem pele clara sabe, por exemplo, que ao sentir-se envergonhada ficará ruborizada, independente de querer ou não querer ficar, pois essa demonstração de vergonha independe da vontade. Também não temos a consciência de que os nossos olhos brilham quando estamos felizes e em paz (4). Cuidando através da comunicação É importante colocar que a sinalização não-verbal tem um grande valor, e que ela permite que o relacionamento com as pessoas se transforme em algo positivo, algo efetivo, algo harmonioso (5). Citando uma pesquisa feita no St. Josephs, um hospice de Londres, com os pacientes que estão fora das possibilidades terapêuticas, lhes foi feita a seguinte pergunta: o que é cuidar para você? Quando você se sente cuidado? Entre as categorias de fala que surgiram, seis dizem respeito diretamente a essa sinalização não-verbal (6). A primeira delas diz: "Cuidar é quando eu vejo que você é capaz de sorrir e sentir-se feliz no desempenho do seu trabalho". Com essa fala podemos entender que os pacientes nos ensinam que estão atentos e sabem que, se gostamos do que fazemos, nos pegamos sorrindo com muita freqüência. É óbvio que toda situação deve ser contextualizada e que sempre o primeiro elemento de decodificação da comunicação interpessoal é o contexto (1); portanto não estou sugerindo que cheguemos rindo em qualquer situação, porque dependendo do contexto o próprio paciente pode perguntar: "Você está rindo do quê?". Contudo, o que estão nos ensinando é que se gostamos do que fazemos, com freqüência temos a comissura labial voltada para cima durante o nosso trabalho, pois temos a consciência de que estamos ali porque queremos e que o nosso papel, a nossa escolha na vida, foi o de ser cuidador. Roberto Crema, psicólogo, afirma que "mistério talvez seja esse ponto inacessível onde nossos olhares se encontram, e que é tão longe e tão perto, tão íntimo e tão inacessível" (7). Talvez os pacientes esperem por esse encontro, onde seja reafirmada, de maneira não-verbal, essa nossa intenção de estar disponível e feliz por ser cuidador, estando prontos para dar o melhor de si, tanto para a recuperação quanto para a harmonização do outro. A segunda categoria que surgiu nessa pesquisa (6) foi: "Cuidar é quando você me faz sentir seguro em suas mãos". Podemos dizer que o fazemos sentir-se seguro quando explicamos o que estamos fazendo, quando explicamos os passos do procedimento que faremos, pois o paciente não tem nenhuma obrigação de saber o tempo dos exames, o tempo dos procedimentos e as etapas necessárias para sua realização - essa linguagem é técnica. Também fazemos com que os pacientes se sintam seguros quando nos identificamos por meio de um crachá e nos apresentamos dizendo o nosso nome. O fato de chamá-lo pelo próprio nome o faz se sentir seguro (5). Vários hospitais têm colocado na porta de entrada das UTIs a fotografia e o nome das pessoas que lá trabalham, para que ao chegar o familiar possa lembrar-se do nome e da pessoa com quem falou anteriormente, haja vista que nos momentos de tensão as pessoas não têm lembrança de com quem conversaram. A existência de um quadro com o nome da pessoa e sua identificação facilita a segurança dessa identificação, de quem está cuidando do ente querido, principalmente nos casos de terapia intensiva, onde a entrada é mais restrita. A terceira categoria foi: "Cuidar é quando você me faz sentir que também serei capaz de me virar, espero, quando chegar a minha vez". Nessa fala, os pacientes nos pedem para que não os tratemos como crianças, quando não o são, e que lembremo-nos que não é por estarem doentes que sofreram redução do QI (Quoeficiente de Inteligência Como quarta categoria, disseram: "Cuidar é quando você me faz sentir especial, embora eu seja como as outras pessoas também são"(6). Podemos dizer que fazer alguém se sentir especial depende muito mais da disponibilidade, intenção e capacidade do profissional de saúde do que das condições financeiras e recursos materiais que ele possa dispor naquele momento. Todos temos "bilhetinhos" que não conseguimos jogar fora, porque nos foi dado em um momento especial; todos temos momentos em que nos lembramos de alguém com carinho, mesmo que não recordemos exatamente do que a pessoa nos disse, porém fica a lembrança da presença dessa pessoa, em um momento importante para nós. Podemos fazer o paciente se sentir especial quando, mesmo tendo apenas 30 segundos, nos aproximamos dele, sentamos ao seu lado e dizemos, olhando em seus olhos: "Eu só tenho 30 segundos, mas me conte como você está hoje" (5). Para ele, esta pergunta soa totalmente diferente se a fazemos a uma certa distância, como, por exemplo, da porta da enfermaria (a uns 3 ou 4m de distância) - e a essa distância ele necessariamente vai dizer "tudo bem." Porém, quando percebe a nossa aproximação, mesmo com um tempo tão curto, ele se sente especial. A outra categoria colocada foi: "Cuidar é quando você não me vê apenas como um moribundo, e assim me ajuda a viver". Aqui, eles estão solicitando que não os tratemos como uma patologia e que saibamos valorizar o que têm de positivo, independente do estado de saúde. Nenhum deles se reconhece no soro, na sonda ou no dreno, e quando nos aproximamos olhando para isso e não para os seus rostos estamos dizendo que apenas cumprimos tarefas e que a tarefa é o nosso foco de interesse, e não eles, enquanto pessoas. Na última dessas seis categorias, disseram que: "Cuidar é quando ouço minha família falar bem de você e sentir-se confortada na sua presença". Com este enfoque eles estão nos lembrando de que não podemos cuidar de alguém isolado ou marginalizado de sua família, e que é fundamental a atenção que dermos a ela, pois é para o seu círculo que eles vão voltar; essas pessoas é que são importantes para eles, nós somos os transitórios. Se a família se sentir segura com o nosso cuidado, isto será fundamental para que o paciente também sinta-se seguro. Se a família valorizar os profissionais e sentir-se bem atendida, os seus comentários junto ao paciente o tranqüilizarão e o farão suportar as dores, procedimentos ou o isolamento que porventura tenha que vir a passar. O não-verbal e o paciente/cliente Quando os pacientes nos dizem o que compreendem como cuidar, estão nos lembrando como devemos nos comunicar com eles, estão apontando para a importância da comunicação nãoverbal, dizendo-nos que entendem que cuidar é muito mais do que um ato ou técnica, que cuidar é uma atitude, é o jeito como estamos diante do outro e como conseguimos compreendê-lo enquanto ser humano e não somente enquanto ser doente. É o quanto somos capazes de resgatar o nosso melhor lado, para fortalecê-lo naquilo que ele têm de saudável, de mais bonito. Eles estão lembrando que a linguagem do corpo fala o que, muitas vezes, a nossa própria fala não diz (8). Eles pedem para que prestemos atenção no nosso rosto ao nos aproximarmos, que prestemos atenção à nossa postura - que deve ser voltada para o paciente e não lateralizada -, pedem para que estejamos atentos às distâncias interpessoais, porque muitas vezes o profissional faz perguntas a uma distância que os impedem de ser realmente francos em suas respostas (9). Às vezes, a maneira como dizemos interfere muito mais no que dizemos. Dependendo da forma como dizemos "bom dia", a pessoa pode pensar: "Já pensou quando não for um bom dia?", ou ela pode, realmente, ter vontade de resgatar o seu dia. Nesta mesma letra, consta: "os números para os dias/ os nomes para as pessoas". Não existe processo de humanização hospitalar se não resgatarmos o nome das pessoas (2,8); entendamos que os números são para os dias e os nomes para as pessoas, todas elas. Por muito tempo, podemos pensar que as palavras que usamos em casos de emergência são: "parada cardiorrespiratória", "fogo", "socorro", mas hoje, refletindo sobre a fala dos pacientes, podemos perceber que as palavras que podemos usar em casos de emergência são: "desculpe", "sinto muito", "estou fazendo tudo o que posso", "estou com você", "não tive a intenção", enfim são as palavras que, com o tempo, eles irão se lembrar, sabendo que fizemos o melhor em uma situação de emergência. As reflexões feitas pelos pacientes sobre o que é o cuidar remetem-nos à importância em também prestarmos mais atenção às nossas próprias características físicas, enquanto mais uma dimensão da comunicação não-verbal (1), porque infelizmente o que muitas vezes lêem e escutam, nos jornais ou na mídia, a respeito dos hospitais, são comentários sobre infecção hospitalar, falta de higiene e possíveis imperícias (10). Assim, esperam que o profissional de saúde esteja com as unhas e cabelos limpos, e com a roupa asseada, para que possam sentir-se em paz e seguros enquanto estão sendo cuidados. Quando nos olham, quando observam nossas características físicas, estão verificando se somos um protótipo de alguém que se cuida para cuidar deles. Uma outra importante dimensão dessa linguagem não falada, não-verbal, é a paraverbal ou paralinguagem, definida como a maneira como falamos com a pessoa (1), porque dependendo da forma como falamos, como pedimos desculpas, sugerimos que estamos com raiva ("Já falei desculpas, pô!"), que não estamos nos desculpando coisa nenhuma e que muitas vezes essa desculpa é apenas um cumprimento de tarefa ou obrigação social, e não uma demonstração do sentimento que esperam reconhecer quando falhamos. Dentro dessa dimensão do paraverbal, é bom lembrar que o silêncio pode ser interpretado de maneiras distintas, podendo significar desinteresse, paciência, medo, atenção, vergonha ou teste. Fernando Pessoa, grande poeta português, já dizia: "Existe no silêncio uma tão profunda sabedoria que às vezes ele se transforma na mais perfeita das respostas". Quantas vezes o profissional interrompe o paciente quando ele está tentando explicar o que sente ou pensa. Se formos capazes de ouvir a explicação até o final, sem interrompê-lo, estaremos favorecendo a criação de um vínculo fundamental para a sua recuperação e o seu bom cuidado (11,12). É importante lembrar, com relação aos silêncios, que muitas vezes os pacientes não falam das próprias dúvidas porque têm vergonha ou medo, ou percebem a nossa pressa. Então, quando perguntamos: "Alguma dúvida?", eles dizem "É..., não!", mas esse truncado responder, essa reticência na fala, pode significar dúvida, e se quisermos ficar com a consciência tranqüila, enquanto profissionais de saúde, precisamos, se estivermos com pressa, voltar em um outro momento, fazendo a mesma questão: "Deixe-me ver se eu soube explicar direito suas dúvidas" (1) . Outra dimensão não-verbal, fundamental para os profissionais de saúde, é o toque, pois não existe neutralidade no toque. Todo toque envolve um aspecto afetivo que se faz presente a partir da maneira como nos aproximamos para tocar, o tempo usado no contato, o local onde tocamos as pessoas e a pressão que exercemos no mesmo. Lembremo-nos de que uma falha muito freqüente do profissional, ao se aproximar de um paciente deitado em uma maca ou cama, é inconscientemente colocar as mãos nos seus pés ou perna; em nossa cultura, não estamos acostumados a ser tocados na perna ou no pé: a pessoa tensiona, enrijece com esse toque. O melhor então, se possível, é iniciar o contato físico pelo ombro, braço ou mãos, locais mais aceitos para que o toque ocorra. O quanto um paciente precisa ser tocado vai depender muito das experiências prévias que tenha tido com o toque, além da sua cultura e do seu sentimento no momento do contato. O profissional precisa perceber os sinais que mostram que o paciente sentiu-se invadido ao ser tocado, ou seja, se ele enrijece o corpo, se desvia o olhar, se passa a responder de forma monossilábica, se não olha mais para o rosto do profissional e, muitas vezes, se até cobre a cabeça com o lençol. Se o paciente sente que o seu espaço pessoal foi desrespeitado, poderá apresentar posturas como ficar voltado para a parede, cobrir-se com o lençol até a cabeça, fingir que está dormindo, enfim, dizer não-verbalmente: "Não agüento mais o seu contato, tanta invasão". É o outro que me diz o quanto suporta esse comportamento de contato, e cabe ao profissional conhecer essas dimensões e variáveis que envolvem o tocar, porque a ele cabe o movimento de aproximação e de saber identificar os sentimentos de rejeição, por contato, que o outro possa mostrar. "Sendo a vez, sendo a hora, entende, atende, tornatento, avança, peleja e faz". (Guimarães Rosa) A última dimensão não-verbal a que o paciente está atento em um profissional de saúde é que tipo de ambiente este profissional cria a sua volta, porque é o ambiente que demonstra qual a importância que damos ao seu conforto e ao de sua família, qual é a mensagem que criamos a nossa volta para recebê-lo (8,9). É observado se criamos ambientes onde ele possa se sentir confortável, com um pouco de isolamento, onde seus familiares possam sentar e ser recebidos, onde possam ter alguns minutos a sós, lembrando que o quanto disponibilizamos de cadeiras e poltronas para os familiares interfere na decodificação dessa dimensão. Ela envolve o tipo de frase que colocamos na parede para lembrar que a vida "vale a pena" ou não, a sinalização feita para facilitar o fluxo dentro de um hospital, as cores que utilizamos para lembrar que a vida é colorida, enfim, tudo isso são sinais que mostram o que sentimos quando nos aproximamos ou cuidamos de alguém. O filósofo Emerson dizia: "Aquilo que você é, fala tão alto que não consigo ouvir o que você me diz". Nessa frase, Emerson lembra que aquilo que somos no dia-a dia, nossas postura, atitude e mensagens, que passamos através do nosso comportamento, ações e fazer, falam tão alto que é isso que faz com que os pacientes sigam ou não nossas orientações, que tenham aderência a um tratamento e aceitem ou não as condutas prescritas. Eles, primeiro, nos observam enquanto humanos, verificam nossa coerência, prestam atenção ao nosso comportamento e a partir dessa mensagem ouvem ou não o que lhes dizemos. Se compreendermos que entender o ponto de vista do outro não significa ter que concordar com ele, seremos capazes de perceber que uma determinada situação pode ser vista por um outro ângulo também, e que a comunicação envolve essas diferentes formas de percepção do mundo (9). "(...) é que Narciso acha feio o que não é espelho". (Caetano Veloso) Devemos então, como profissionais de saúde, nos preocupar em desenvolver uma comunicação efetiva que nos permita ser empáticos, pois só assim teremos a capacidade de perceber o outro, ou seja, o seu ponto de vista. Sabemos que quando colocamos a atenção em algo, há um fortalecimento desse algo, ele se energiza (7). Isso significa que temos que ter clareza da nossa intenção quando estamos junto do outro, para podermos colocar atenção na complementariedade da nossa fala e do nosso comportamento (acho até que quando falamos em "resgatar o divino" que há em cada um de nós, na essência isto significa amar; na prática, ser solidário. Discurso e comportamento. Unicidade. Totalidade). Ao falarmos do número de cursos e treinamentos recebidos pelos funcionários das instituições, nos referimos à preocupação que as instituições devem ter em manter a atualização de seu pessoal e rever, periodicamente, como andam os sentimentos e a capacidade que cada um tem ao estar com os demais integrantes de sua equipe, do seu time. A respeito da satisfação dos funcionários, também estamos analisando de que forma a chefia, o alto escalão, tem tratado as pessoas de sua equipe, se tem lembrado, por exemplo, de dizer "bom dia" no elevador para o ascensorista, ou para o porteiro, ao chegar; se tem lembrado que todos fazemos parte do mesmo time e que não adianta, por exemplo, só termos bons goleiros em uma seleção: precisamos de uma boa defesa e de um bom ataque. Quando falamos de taxa de infecção, nos referimos à "lembrança" que o profissional de saúde tenha de lavar as mãos a cada paciente, porque ele sabe que aquele paciente é um ser único, que precisa de todos os cuidados necessários para que o seu sistema de defesa recupere-se o mais rápido possível. Todos os indicadores de qualidade e de humanização que podemos discutir passam pela necessidade de decodificação dos aspectos e dimensões da comunicação humana, pois estes ancoram, na prática, o que é essa qualidade e essa humanização. "É muito mais fácil identificar o erro do que encontrar a verdade. O erro está na superfície e, por isso, é mais fácil erradicá-lo. A verdade repousa no fundo e não é qualquer um que consegue chegar até lá". (Goethe) Considerações finais Devemos lembrar, então, que um sorriso, um meneio positivo da cabeça, o contato dos olhos, o toque no lugar certo, ou seja, no braço, no ombro ou na mão, o uso adequado do silêncio e da voz suave são sinais que auxiliam nos relacionamentos interpessoais e na comunicação efetiva. Na saúde, não são necessariamente os grandes planos que dão certo, mas são os pequenos detalhes que alteram a qualidade das relações (12). Se entendermos que ser um bom profissional de saúde é construir um dia-a-dia cheio de arte, no sentido do atendimento único, ficaremos preocupados com os detalhes de cada atendimento, faremos como um artista que ao pintar uma tela preocupa-se com cada espaço ocupado, com o local onde cada detalhe será inserido, com o ângulo que explorará na tela e com as cores que irão compô-la. O artista verdadeiro não se preocupa com a quantidade de trabalho que terá ao fazer a tela, ele preocupa-se somente com a tela em si e aí descobre que a terminou, ao ver o seu conjunto. Quando queremos nos comunicar bem, não podemos ficar preocupados com o trabalho que teremos ao estar atentos a todas essas dimensões, mas minha certeza, pelo que tenho observado e estudado, é que quando estamos atentos a elas muitas vezes resgatamos o melhor de nós, enquanto humanos, enquanto comunicadores, enquanto profissionais de saúde. Quando trabalhamos em saúde, entendemos que não vamos tirar de ninguém a sua condição de mortal, e que ocasionalmente temos a vida das pessoas em nossas mãos, mas dependendo da maneira como as tratamos temos, sim, a sua dignidade. Estar atentos a esses detalhes transmite às pessoas a mensagem, independente do resultado do tratamento, de que nos preocupamos que elas mantenham a preservação de suas dignidades. Um último lembrete: quando as pessoas estão doentes, fragilizadas, esperam que as possamos ajudar a novamente se fortalecer. É muito fácil fragilizar quem já se sente frágil; difícil é termos a flexibilidade e a grandeza para fortalecer o frágil, fazendo com que ele sinta-se novamente forte. Entendo que um profissional de saúde é alguém que passa a mensagem de ser humilde e flexível o bastante para estar junto, para estar com alguém, e nesse estar junto fortalecer o saudável, o positivo e o melhor do outro, independente do que o próprio profissional possa achar que é o melhor (5). Como disse Gilbert Kent Chesterton: "Há grandes homens que fazem com que todos se sintam pequenos, mas o verdadeiro grande homem é aquele que faz com que todos se sintam grandes". A mensagem que o profissional de saúde deve estar atento para passar é a de que, por ser humano, é capaz de estar com, é capaz de entender o outro, de trocar o que tem de melhor em si para que o outro, por sua vez, possa fortalecer o que tem de melhor. É apenas isso que ele deve estar preocupado em "por em comum", resgatando a origem da palavra comunicação. No mistério Sem-fim Equilibra-se um planeta. E, no planeta, um jardim, E, no jardim, um canteiro, No canteiro, uma violeta, E, sobre ela, o dia inteiro, Entre o planeta e o Sem-fim, A asa de uma borboleta. (Cecília Meireles)

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